sexta-feira, 22 de maio de 2009

Trecho do livro "O amor esquece de começar" - Fabrício Carpinejar

Medo de sofrer o que não está acostumada. Medo de se conhecer e esquecer outra vez.
Medo de sacrificar a amizade.
Medo de perder a vontade de trabalhar, de aguardar que alguma coisa mude de repente, de alterar o trajeto para apressar encontros.
Medo se o telefone toca, se o telefone não toca.
Medo da curiosidade, de ouvir o nome dele em qualquer conversa.
Medo de inventar desculpa para se ver livre do medo.
Medo de se sentir observada em excesso, de descobrir que a nudez ainda é pouca perto de um olhar insistente. Não suportar ser olhada com esmero e devoção.
Nem os anjos, nem Deus agüentam uma reza por mais de duas horas.
Medo de ser engolida como se fosse líquido, de ser beijada como se fosse líquen,
de ser tragada como se fosse leve.
Você tem medo de se apaixonar por si mesma logo agora que tinha desistido de sua vida.
Medo de enfrentar a infância, o seio que criou para aquecer as mãos quando criança, medo de ser a última a vir para a mesa, a última a voltar da rua, a última a chorar.
Você tem medo de se apaixonar e não prever o que pode sumir, o que pode desaparecer.
Medo de se roubar para dar a ele, de ser roubada e pedir de volta.
Medo de que ele seja um canalha, medo de que seja um poeta, medo de que seja amoroso,
medo de que seja um pilantra, incerta do que realmente quer,
talvez todos em um único homem, todos um pouco por dia.
Medo do imprevisível que foi planejado.
Medo de que ele morda os lábios e prove o seu sangue.
Você tem medo de oferecer o lado mais fraco do corpo.
O corpo mais lado da fraqueza.
Medo de que ele seja o homem certo na hora errada, a hora certa para o homem errado.
Medo de se ultrapassar e se esperar por anos, até que você antes disso e você depois disso possam se coincidir novamente.
Medo de largar o tédio, afinal você e o tédio enfim se entendiam.
Medo de que ele inspire a violência da posse, a violência do egoísmo,
que não queira repartir ele com mais ninguém, nem com seu passado.
Medo de que não queira se repartir com mais ninguém, além dele.
Medo de que ele seja melhor do que suas respostas, pior do que as suas dúvidas.
Medo de que ele não seja vulgar para escorraçar mas deliciosamente rude para chamar,
que ele se vire para não dormir, que ele se acorde ao escutar sua voz.
Medo de ser sugada como se fosse pólen, soprada como se fosse brasa,
recolhida como se fosse paz.
Medo de ser destruída, aniquilada, devastada e não reclamar da beleza das ruínas.
Medo de ser antecipada e ficar sem ter o que dizer.
Medo de não ser interessante o suficiente para prender sua atenção.
Medo da independência dele, de sua algazarra, de sua facilidade em fazer amigas.
Medo de que ele não precise de você.
Medo de ser uma brincadeira dele quando fala sério ou que banque o sério
quando faz uma brincadeira.
Medo do cheiro dos travesseiros.
Medo do cheiro das roupas.
Medo do cheiro nos cabelos.
Medo de não respirar sem recuar.
Medo de que o medo de entrar no medo seja maior do que o medo de sair do medo.
Medo de não ser convincente na cama, persuasiva no silêncio, carente no fôlego.
Medo de que a alegria seja apreensão, de que o contentamento seja ansiedade.
Medo de não soltar as pernas das pernas dele.
Medo de soltar as pernas das pernas dele.
Medo de convidá-lo a entrar, medo de deixá-lo ir.
Medo da vergonha que vem junto da sinceridade.
Medo da perfeição que não interessa.
Medo de machucar, ferir, agredir para não ser machucada, ferida, agredida.
Medo de estragar a felicidade por não merecê-la.
Medo de não mastigar a felicidade por respeito.
Medo de passar pela felicidade sem reconhecê-la.
Medo do cansaço de parecer inteligente quando não há o que opinar.
Medo de interromper o que recém iniciou, de começar o que terminou.
Medo de faltar as aulas e mentir como foram.
Medo do aniversário sem ele por perto, dos bares e das baladas sem ele por perto,

do convívio sem alguém para se mostrar.
Medo de enlouquecer sozinha. Não há nada mais triste do que enlouquecer sozinha.
Você tem medo de já estar apaixonada...


Fabrício Carpinejar em "O Amor Esquece de Começar"

4 comentários:

evisconde disse...

tremendamente insegura esta existencia feminina. seria mesmo assim? ou seriam tempos?
a competição feminina escondida atrás de suas supostas fragilidades são o fundamento instável deste castelo de areia que é a alma atribulada de uma mulher.
quiçá a fé seja a Pedra de esquina para o espaço de reconstrução.

Anônimo disse...

Relato das inseguranças de quem não sabe quem é, nem o que quer, nem reconhece suas qualidades e não está acostumada a ser responsável por suas escolhas.
Retrato "clichê" , que retrata as mulheres como inseguras, carentes , autocentradas , como foco no que o outro pode oferecer, como se alguém tivesse a "obrigação" , responsabilidade da felicidade dela mesma. Seres humanos no geral possuem medos e inseguranças, mas não acho esse o retrato da mulher contemporânea.

Anônimo disse...

Palavras hipocritas de quem nunca parou para olhar para si mesmo.
As palavras de Carpinejar não descrevem a mulher contempoânea, mas o ser humano em geral que atualmente insiste em viver desconexo com seus sentimentos. Retrata o medo existente nessa sociedade onde os valores já estão tão distorcidos que perdemos o vínculo com nossa verdadeira identidade. Ignorar isso é ser conivente com a alienação que nos encontramos. Lidar com isso é buscar uma vida melhor e o primeiro passo é sair da negação.
Mais modéstia e honestidade na autoanálise antes de julgar.

Anônimo disse...

Quando estamos entre estar ou não apaixonada ficamos assim, não trata de "mulher contemporânea" ou não, e sim de uma mulher, ou até mesmo de um homem. Estar apaixonada é estar nua de todas nossas teorias e crenças, voltamos a ser crianças, sim crianças tolas, ingênuas e apaixonadas e assim questionamos tudo que até o momento era tão certo. Não trata de insegurança, mas sim de questionamentos, não nos tornamos inseguras só porque questionamos. Temos medo de perder o controle, temos medo de parecermos tolas, só isso.