segunda-feira, 29 de junho de 2009

Meus filhos têm passado mais do que futuro - Fabrício Carpinejar

Jogar futebol dentro de casa é um hábito do meu filho. A bola de pano fica cobrindo seu tênis, reforçando o cadarço. Toda porta se converte em uma goleira.
É natural que as esculturas da sala estejam quebradas. A namoradeira na janela foi decapitada. São Francisco de Assis de madeira perdeu seus amigos pássaros. Um pescador viu sua rede e seus peixes levantarem asas. A baiana não segurou o vaso na cabeça. O flautista da Ásia acabou partido em dois.

A sala é um aprumo, uma beleza, com móveis feitos sob medida. O que fazer com as peças danificadas?

Não coloquei nenhuma escultura fora. Colamos os objetos em longa entrega. Chegamos a pintar de novo, escová-los com verniz, exercendo o papel de cirurgião da infância.

Meus dedos estão grudados aos dedos do meu filho de tanto que passeamos pela cola bonder. A textura plastificada não me enerva, é um esmalte transparente da cumplicidade. Coço a mão com impagável orgulho. Como um artesão depois de uma longa trama de cordas. Como um oleiro depois de girar o barro e encontrar as curvas da estrada de Caxias do Sul.

Não posso ensinar aos filhos a não errar. O que me cabe é ajudá-los a restaurar, a dar a volta por cima, a cuidar do estrago e procurar a dignidade da emenda.

Há uma obsessão dos pais de fazer avançar a qualquer custo. De ir para frente, de pular de série, de alcançar a excelência das notas, de profissionalizar o tempo e ocupar os horários para não tropeçar em bobagens. Educar é mandar, ser educado é aceitar ordens.

Tudo é sempre uma única vez, movida a frases sentenciosas “Não irei repetir” ou “Presta atenção”. Quantos meninos e meninas se deprimem por não encontrar uma segunda chance na família?

Penso o contrário. Sinto o contrário.

Compreendo que a criança não poderá voar se não andar primeiro. Mais do que nunca, precisa saber voltar atrás. Ter passado mais do que futuro. Isso significa suportar a frustração, reagir quando as coisas não acontecem como esperadas. Contar com tristeza suficiente para sair da tristeza e se levantar. Mimar é não permitir que nada se quebre. Amar, de outro modo, é reconstituir os estilhaços.

Não penalizar por uma nota ruim com castigo e privação dos prazeres, mas dar a consciência de que o conceito é provisório e que é natural melhorar.

Estimular o pequeno com a própria dificuldade. Recompor o que foi estragado, reconstituir um desenho rasgado, remontar os escombros e não se envergonhar pela demora.

Deixo as esculturas mancas na sala. Não me importo como as visitas vão reagir ou se passarão a me observar com desconfiança. Os defeitos permanecem expostos. A vida é para ser usada.

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