Três pratos. De diferentes cores, de azulejo e barro.
O vendedor me considerou excêntrico pela modéstia do apelo.
Procurou enfiar orquídeas olheira abaixo, recusei os arranjos coloridos.
Como uma abelha que não larga a lâmpada pela obsessão do sol.
Logo me dispensou para o caixa, viu de cara que não tinha potencial aquisitivo.
Ele apressou a interrogação do "só isso" e logo fechou a encomenda.
Estamos tão consumistas que nos desculpamos por comprar pouco (ou nada).
Estamos tão consumistas que nos desculpamos por comprar pouco (ou nada).
Imagina o atendente perder tempo com a gente? Gentileza hoje é comissão.
Idêntica culpa diante do motorista de táxi com a corrida curta.
Quase suplicamos por favor, se ele pode nos levar. Não há mais pobreza genuína no mundo, unicamente pobreza disfarçada. O cartão de crédito fantasiou a miséria.
Não receio pedir pouco. O pouco é que me basta. O pouquíssimo transborda.
Eu me sinto essencial lembrando o desnecessário. Ouvindo o suspiro dentro do vento.
Ninguém dá valor ao pratinho das plantas que racha na mudança de lugar e não é reparado, muito menos reposto. Eu não vivo sem eles. É como faltar talheres para um membro da família. É o pratinho de vaso que me mantém acordado. Deslumbrado pela sua fugacidade.
Porque amanhã terei que me lembrar novamente. E depois da amanhã. E sempre.
O amor é o que não lembramos para continuar lembrando.
Como pedir ao filho escovar os dentes ou insistir que faça os temas.
Todo dia será exaustivamente igual: é uma atenção renovada, não exclusiva.
Uma dedicação nula. Uma devoção secreta que não traz fama e reconhecimento.
Coisas simples que não podem ser contadas ou glorificadas durante a semana.
Que são apagadas no mesmo momento do ato.
Não irei ao bar proclamar aos colegas de que dobrei as calças antes de sair
e organizei as camisas pela antiguidade.
É o que me põe apaixonado numa mulher: o pratinho do vaso.
O que é sem graça, o que somente protege, mas que é confidente das raízes.
O quanto ela é capaz de estar ao seu lado sem que necessite imortalidade.
O quanto me torno observador das inutilidades.
Falei inutilidades, pois é, não errei a digitação, quem ama conserva as inutilidades.
Os interesseiros e ambiciosos guardarão as informações essenciais como nascimento e medidas. Veja se um homem a quer quando se interessa porque aquilo que não gera interesse.
O fútil é o fundamental. No momento em que o desejo não descobre o que é importante e preserva tudo. O pratinho do vaso do relacionamento está em saber o xampu que ela usa, o restaurante preferido, o doce da infância, sua mania de comer aipim com mel,
o azeite (não é qualquer um), as perguntas que detesta ouvir,
como ela gosta de amassar o travesseiro, de que modo escolhe as roupas:
se nua ou já com a lingerie, quais os insetos que tem medo,
o que não pode deixar de assistir na tevê, o drinque preferido,
os amigos da choradeira, os amigos do riso, o que toma no café da manhã,
qual a fruteira de sua confiança.
O pratinho do vaso é o que fica da tempestade. Não tinha como explicar ao vendedor.
Ele é que conhece as flores.
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