segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

A morte e o amor - Caio F Abreu

“Somos todos imortais.
Teoricamente imortais, claro.
Hipocritamente imortais.
Porque nunca consideramos a morte como uma possibilidade cotidiana,
feito perder a hora no trabalho ou cortar-se fazendo a barba, por exemplo.
Na nossa cabeça, a morte não acontece como pode acontecer de eu discar um número telefônico e, ao invés de alguém atender, dar sinal de ocupado.
A morte, fantasticamente, deveria ser precedida de certo ‘clima’, certa ‘preparação’.
Certa ‘grandeza’. Deve ser por isso que fico (ficamos todos, acho) tão abalado quando,
sem nenhuma preparação, ela acontece de repente.
E então o espanto e o desamparo, a incompreensão também,
invadem a suposta ordem inabalável do arrumado (e por isso mesmo ‘eterno’) cotidiano.
A morte de alguém conhecido e/ou amado estupra essa precária arrumação,
essa falsa eternidade.
A morte e o amor.
Porque o amor, como a morte, também existe – e da mesma forma, dissimulada.
Por trás, inaparente. Mas tão poderoso que, da mesma forma que a morte
– pois o amor também é uma espécie de morte
(a morte da solidão, a morte do ego trancado,
indivisível, furiosa e egoisticamente incomunicável) – nos desarma.
O acontecer do amor e da morte desmascaram nossa patética fragilidade.”

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