sábado, 18 de abril de 2009

Para viver um grande amor - Vinícius de Moraes

Para viver um grande amor,
preciso é muita concentração e muito siso,
muita seriedade e pouco riso — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor,
mister é ser um homem de uma só mulher;
pois ser de muitas, poxa! é de colher… — não tem nenhum valor.
Para viver um grande amor,
primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro
e ser de sua dama por inteiro — seja lá como for.
Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada
e postar-se de fora com uma espada — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor, vos digo,
é preciso atenção como o “velho amigo”,
que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor.
É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado,
pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.
Para viver um amor, na realidade,
há que compenetrar-se da verdade
de que não existe amor sem fidelidade — para viver um grande amor.
Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade,
dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.
Para viver um grande amor, il faut além de fiel,
ser bem conhecedor de arte culinária e de judô — para viver um grande amor.
Para viver um grande amor perfeito,
não basta ser apenas bom sujeito;
é preciso também ter muito peito — peito de remador.
É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada
e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.
É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista
— muito mais, muito mais que na modista! — para aprazer ao grande amor.
Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo;
depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor…
Conta ponto saber fazer coisinhas:
ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs — comidinhas para depois do amor.
E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica e gostosa farofinha, para o seu grande amor?
Para viver um grande amor é muito,
muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto — pra não morrer de dor.
É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente,
pois qualquer “baixo” seu, a amada sente — e esfria um pouco o amor.
Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia;
saber ganhar dinheiro com poesia — para viver um grande amor.
É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!)
e ser impermeável ao diz-que-diz-que — que não quer nada com o amor.
Mas tudo isso não adianta nada,
se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a bem-amada
— para viver um grande amor.

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