quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Amizade sem trato - Martha Medeiros

Dei pra me emocionar cada vez que falo dos amigos.
Deve ser a idade, dizem que a gente fica mais sentimental.
Mas é fato: quando penso no que tenho de mais valioso,
os amigos aparecem em pé de igualdade com o resto da família.
E quando ouço pessoas dizendo que amigo, mas amigo meeeesmo, a gente só tem dois ou três, empino o peito e fico até meio besta de tanto orgulho:
eu tenho muito mais do que dois ou três. São uma cambada.
Não é privilégio meu, qualquer pessoa poderia ter tantos assim, mas quem se dedica?
Fulano é meu amigo, Sicrana é minha amiga. É nada. São conhecidos.
Gente que cumprimentamos na rua, falamos rapidamente numa festa,
de repente sabemos até de uma fofoca sobre eles, mas amigos? Nem perto.
Alguns até chegaram a ser, mas não são mais por absoluta falta de cuidado de ambas as partes. Amizade não é só empatia, é cultivo. Exige tempo, disposição.
E o mais importante: o carinho não precisa - nem deve - vir acompanhado de um motivo.
As pessoas se falam basicamente nos aniversários, no Natal ou para pedir um favor
- tem que haver alguma razão prática ou festiva para fazer contato.
Pois para saber a diferença entre um amigo ocasional e um amigo de verdade,
basta tirar a razão de cena. Você não precisa de uma razão. Basta sentir a falta da pessoa.
E, estando juntos, tratarem-se bem. Difícil exemplificar o que é tratar bem.
Se são amigos mesmo, não precisam nem falar, podem caminhar lado a lado em silêncio.
Não é preciso trocar elogios constantes, podem até pegar no pé um do outro, delicadamente.
Não é preciso manifestações constantes de carinho, podem dizer verdades duras,
às vezes elas são necessárias. Mas há sempre algo sublime no ar entre dois amigos de verdade. Talvez respeito seja a palavra. Afeto, certamente. Cumplicidade? Mais do que cumplicidade. Sintonia?Acho que é amor. Só mesmo amando para você confiar a ele o seu próprio inferno.
E para não invejarem as vitórias um do outro. Por amor, você empresta suas coisas, dá o seu tempo, é honesto nas suas respostas, cuida para não ofender, abraça causas que não são suas, entra numas roubadas, compreende alguns sumiços - mas liga quando o sumiço é exagerado. Tudo isso é amizade com trato. Se amigos assim entraram na sua vida,
não deixe que sumam. Porém, a maioria das pessoas não só deixa
como contribui para que os amigos evaporem. Ignora os mecanismos de manutenção.
Acha que amizade é algo que vem pronto e que é da sua natureza ser constante,
sem precisar que a gente dê uma mãozinha.
E aí um dia abrimos a mãozinha e não conseguimos contar nos dedos nem dois amigos pra valer. E ainda argumentamos que a solidão é um sintoma destes dias de hoje, tão emergenciais,
tão individualistas.
Nada disso.
A solidão é apenas um sintoma do nosso descaso.

Nenhum comentário: