Estou hoje num dos meus dias cinzentos, como diz nosso escritor;
dia em que tudo é baço e pesado como a cinza,
dia em que tudo tem a cor uniforme e nevoente dele,
desse cinza em que eu às vezes sinto afundar o meu destino.
Estou triste e vagamente parva, hoje, e, no entanto, estou na capital do Alentejo;
aos meus ouvidos chega o ruído dos automóveis,
o barulho cadenciado das patas dos cavalos de luxo,
o pregão forte e sensual que é toda a alma de mulher do povo, e por cima disto tudo,
a espalhar vida, luz, harmonia, sinto o sol, um sol de fogo,
o sol do meu Alentejo sensual e forte como um árabe de vinte anos! Pois tudo me irrita!
Que direito tem o sol para se rir hoje tanto?
Donde vem o brilho que Deus pôs, como um dom do céu,
nos olhos das costureirinhas que passam?
Donde vem a névoa de mágoa que eu trago sempre nos meus?!
Vê?... É o dia pesado,
o dia em que eu sou infinitamente impertinente e má como uma velhota de oitenta anos.
Eu odeio os felizes, sabes?
Odeio-os do fundo da minha alma,
tenho por eles o desprezo e o horror que se tem por um réptil que dorme sossegadamente.
Eu não sou feliz mas nem ao menos sei dizer porquê.
Nasci num berço de rendas rodeada de afectos,
cresci despreocupada e feliz, rindo de tudo, contente da vida que não conhecia,
e de repente, amiga, ao alvorecer dos meus 16 anos,
compreendi muita coisa que até ali não tinha compreendido
e parece-me que desde esse instante cá dentro se fez noite.
Fizeram-se ruínas todas as minhas ilusões, e,
como todos os corações verdadeiramente sinceros e meigos,
despedaçou-se o meu para sempre.
Podiam hoje sentar-me num trono, canonizar-me,
dar-me tudo quanto na vida representa para todos a felicidade,
que eu não me sentiria mais feliz do que sou hoje.
Falta-me o meu castelo cheio de sol entrelaçado de madressilvas em flor;
falta-me tudo o que eu tinha dantes e que eu nem sei dizer-te o que era...
É a história da minha tristeza.
História banal como quase toda a história dos tristes.
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