quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Eu lavo minhas mãos no fogo - Fabrício Carpinejar

Esquecemos com facilidade o que não queremos compreender.
Acreditava que as árvores só cresciam de noite. Não mudei de opinião.
Os homens crescem dentro das árvores. A noite conversa com os sapatos.
Falo comigo, o que não significa que me escuto. Ainda não conheço as palavras.
Conheço o lodo do tanque. Não conheço o encanamento dos relâmpagos no morro.
Complico minha vida para a morte ter o que pensar. Assim a entretenho.
O frio quando chega de assalto torna as pessoas desajeitadas, deselegantes.
É como se elas usassem uma roupa em cima da outra, sem muita concordância.
Parece que estamos com casacos alugados. Com pijama por baixo.
No inverno, adivinho as mulheres pelo rumor das pedras.
Não peço licença para pressentir. Elas enredam a água, acalmam o espaço.
Ao ouvi-las, espero minha chegada. Em toda mulher, eu me devolvo. Não tive luxo.
Tudo o que economizei de som foi consumido pelo vento. O fogo é a permanência do vento.
A lembrança tem uma cicatriz que não fecha pela insistência.
A insistência é a pressa de se ver acabado. A pressa é curiosidade de não se acabar.
Eu não cicatrizei minha vida.
Não me culpo por me desperdiçar, muito menos procuro desviver o que vivi para estar de paz com a memória.
Não há paz na memória. A alegria é insônia.
De vez em quando, sento no balcão para imitar uma janela.
Eu me perpetuo ao me consumir.
Quem se adia não chega nem ao seu começo.
A ferida é a altura da árvore, do homem dentro da árvore, que só cresce de noite.

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