segunda-feira, 24 de maio de 2010

O nosso amor - Machado de Assis

...''Há umas plantas que nascem e crescem depressa; outras são tardias e pecas.
O nosso amor era daquelas; brotou com tal ímpeto e tanta seiva, que, dentro em pouco,
era a mais vasta, folhuda e exuberante criatura dos bosques.
Não lhes poderei dizer, ao certo, os dias que durou esse crescimento.
Lembra-me, sim, que, em certa noite, abotoou-se a flor, ou o beijo,
se assim lhe quiserem chamar, um beijo que ela me deu, trêmula,
— coitadinha, — trêmula de medo, porque era ao portão da chácara.
Uniu-nos esse beijo único, — breve como a ocasião, ardente como o amor,
prólogo de uma vida de delícias, de terrores, de remorsos,
de prazeres que rematavam em dor, de aflições que desabrochavam em alegria,
— uma hipocrisia paciente e sistemática, único freio de uma paixão sem freio,
— vida de agitações, de cóleras, de desesperos e de ciúmes,
que uma hora pagava à farta e de sobra; mas outra hora vinha e engolia aquela,
como tudo mais, para deixar à tona as agitações e o resto,
e o resto do resto, que é o fastio e a saciedade:
tal foi o livro daquele prólogo.''



In "Memórias Póstumas de Braz Cubas"

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