terça-feira, 11 de maio de 2010

Pacto - Fabrício Carpinejar

Mergulho em saideiras intermináveis na mesa de bar e apanho porque sou minoria.
Meu chope tem colarinho de padre. É enlouquecedor convencer alguém que usa sua experiência. É como se a experiência fosse um argumento incontestável. Já reneguei muita lembrança que não me acrescentou em nada. Nem toda experiência ensina, que mania a de se vangloriar do passado apocalíptico e jogar na cara: eu vivi dois casamentos, sei do que falo.
Faz favor, há coisas que vivo que apenas me tiram as palavras. Se alguém tem propriedade no assunto é Thiago de Mello, que casou trinta vezes, mais ninguém. Nem eu.
Amo casamento com todo peso da árvore feminina da família. Torna qualquer detalhe revelador, chance de traficar ternura na necessidade de comprar gás ou arrumar o portão da garagem. Perguntar que horas ela volta é uma preocupação comovente, de quem deseja ficar mais tempo junto. O que são os problemas perto da alegria de poder contá-los para sua mulher?
O amor é simples, tão simples que fingimos sabedoria ao dificultá-lo.
Mas os céticos estão em vantagem. Eu é que sou o conservador. Defender uma relação fechada é hoje impronunciável, uma burrice. Acabo calado por vaias e ‘deixa disso’.
Pareço um moralista, uma carmelita, um torcedor do América de MG.
Não aguento o pessimismo pré-datado. A gente entrega a indisposição nos medos mais óbvios.
"Se você me trair, promete me contar?"
A questão já coloca a infidelidade como certa. Contar ou não confessar passa a ser o dilema.
Não se confia mais na fidelidade, mas somente na franqueza. Vamos adaptando os princípios.
O mesmo é resmungar que o homem não é monogâmico, não adianta tentar. É aceitar que ele não tem escolha, de que se trata de um condicionamento biológico, uma maldição darwiniana.
Nem mais encontro vestidos de noiva em vitrine. Até os manequins estão solteiros. Casamento é posto como cativeiro, como subtração de direitos e multiplicação dos deveres. É uma felicidade passageira, de doente terminal. O matrimônio deveria abandonar o contrato. O contrato existe para terminar, resguardar o final e sair ileso. É proteção desde o princípio.
Ao embarcar, já estamos reagindo às escolhas do naufrágio.
Casamento mudaria com a adoção do pacto. Isso: pacto! Por que unicamente o mal faz pacto? Um pacto do bem. Sei que há pacto com diabo, mas nunca vi pacto da virtude.
É usar o conhecimento siciliano. No pacto da máfia, realmente funciona a sentença:
"até que a morte nos separe". É o único lugar que a frase tem sentido.
É sangue com sangue, mindinho com mindinho. Não se oferece o indicador de propósito, para valorizar as pequenas causas. A aliança tem que ser o próprio dedo. Não há como tirar o dedo no motel.
O pacto são dois num só apelo, diferente do contrato que é cada um por si.
O pacto é palavra, o contrato é letra. A palavra é lembrança, a letra é cobrança.
O pacto é confiança, o contrato é obrigação. No contrato, se pode sair a qualquer hora.
No pacto, a saída é sempre pela honra.

Um comentário:

Cristina disse...

Adoro os textos dele, e não só por isso estou comentando.
Descobri seu blog por acaso, e me apaixonei.
Muito bom gosto nas postagens, imagens e tudo.
Parabéns mesmo, sempre venho dar uma olhadinha, e já me tornei seguidora.
Abraços